Desesperada, saio em lágrimas da sessão com o psicólogo, muitas mágoas atormentando o meu coração amargurado há tanto tempo. Acelero o passo em direção ao estacionamento, já estou bem atrasada. Não vejo um carro e quase sou atropelada em plena faixa de segurança. Com taquicardia, atendo o meu celular.

– Doutora, por favor, venha logo! Temos uma tartaruga marinha agonizando. A senhora precisa operá-la imediatamente!

Dirijo-me para a universidade com ansiedade crescente. Aquele ser inocente tem a sua vida em minhas mãos… Logo eu, tão imperfeita, tão obscura, tão malévola. Talvez o meu único lado bom seja precisamente este, salvar sempre que possível a vida de animais vítimas de seres tão terríveis quanto eu.

Chegando ao hospital veterinário da universidade, preparo-me para uma cirurgia de alta complexidade. O Raio-X revela que a tartaruga engoliu lixo com uma rede de pesca. Não será nada fácil salvá-la, farei o meu melhor.

Após a cirurgia, ainda sem saber se a tartaruga sobreviverá, nossa equipe examina o lixo retirado das entranhas do animal. Há lá um pequeno tubo de metal. Ao abrirmos sua tampa, deparamo-nos com um papel enrolado. Para minha estupefação, o texto anônimo ali escrito em perfeita caligrafia, refletia os meus mais íntimos sentimentos. Eu mesma poderia ter sido a autora…

“Nas profundezas da minha alma habitam seres frágeis, carentes, medrosos, escondidos em cavernas quase inacessíveis. Não longe delas, espreitam em recônditos turvos e obscuros, seres perigosos, venenosos, amedrontadores. 

Nas profundezas da minha alma convivem em constante e perturbador conflito, o bem e o mal, o alegre e o triste, que não atam nem desatam, num repetir imutável de um jogo de empates.

Esta alma tenebrosa nutre um polvo que com seus braços estrangula aos poucos o meu pobre coração. Um baiacu inclemente aprisiona o meu pulmão determinando um ritmo angustiante da respiração.

Assim, sigo eu dominada por monstros abissais que limitam o meu viver, entristecem o meu olhar. Como um raro náutilo sentindo as vibrações das criaturas ao meu redor para então, como um vampiro sedento, sugar a essência alheia com o fatídico intuito de perpetuar este ciclo infernal na minh’alma.

Na superfície, meu rosto sereno mascara o turbilhão interno dos monstros nas minhas profundezas. A minha calmaria externa permite um convívio com deleites fugazes. Mas, pergunto-me se virá o dia em que os meus monstros pavorosos emergirão destes abismos, rompendo as dimensões entre alma e mente… o dia em que invadirão o meu espetáculo?”

Compartilhar: