O primeiro caso do Detetive J. Silva. Parte Dois

J. Silva descobre que o homem que investigava por suspeita de adultério, queria contratá-lo para investigar sua própria mulher, para quem o detetive já prestava serviço, tendo-o como objeto de investigação, no seu primeiro caso.

Apertei sua mão e sentei-me na cadeira com a expressão mais arguta que eu pude demonstrar, na suposição de que era isso que alguém esperava encontrar, ao entrar no escritório de um detetive. Meu provável novo cliente, entretanto, limitou-se a fitar com o olhar taciturno algum ponto na parede atrás de mim. Esperei que Kafka não estivesse em sua costumeira caminhada matinal pela sala.

— Então, a quê devo a honra de sua visita? — Perguntei de chofre, com a voz de James Cagney em “Fúria Sanguinária”. Aparentemente ele não conhecia o ator, pois sua expressão não se alterou.

Na verdade, o suposto cliente não parecia muito à vontade e, por um instante, temi que escapulisse antes que fechássemos um contrato. Felizmente, Analú estava atenta e surgiu de repente, com uma bandeja com dois cafezinhos fumegantes. Sua graça naturalmente felina e o decote, exibido generosamente ao servir-nos, fez o resto. Boa garota!  O sujeito ficou completamente hipnotizado e qualquer pensamento de sair correndo de minha sala, se o tivesse, deixou de existir instantaneamente.

Com um pigarro embaraçado, ao perceber que eu notara seu olhar guloso para minha assistente, ele finalmente falou.

— Eu desconfio que minha mulher esteja me traindo. — Disse, sem me olhar diretamente. Acho que não gostei desse sujeito, desde o momento que o vi. Sua atitude e sua aparência contrariava tudo o que eu tinha visto na noite anterior. O sujeito elegante e autoconfiante cedera lugar a um pobre diabo, encurvado e angustiado pela perspectiva de ter sido traído pela mulher. De qualquer modo, eu não gostava de nenhuma das versões.

— O quê o leva a pensar isso? Tem algum motivo concreto?

— Não. Nada de concreto. Só indícios, na verdade. — Respondeu com a voz impaciente. — Ela tem se ausentado com muita frequência, sem uma explicação convincente. Parece dissimulada em alguns momentos, como se escondesse algo. Coisas assim.

— Entendo. — Disse eu, apenas para lhe dar a chance de recuperar o fôlego. — O senhor tem ideia de quando começou a perceber essas mudanças em sua esposa?

— Há alguns dias. Ela sempre teve um comportamento metódico e previsível, mas agora não consigo saber se está dizendo a verdade ou mentindo. Ontem à tarde, por exemplo, disse que ia ao seu ginecologista e sumiu por mais de duas horas.

— Por que achou isso estranho? —  Perguntei mais para saber o que o sujeito pensava. Afinal, eu sabia onde sua mulher estava.

— O ginecologista dela é, na verdade, uma ginecologista, com quem ela tem uma longa relação de amizade. O seu consultório fica a duas quadras de onde moramos.

Aquele homem parecia realmente sofrer com a possibilidade de ser traído. Eu teria caído feito um patinho naquela conversa, se não soubesse alguns detalhes a priori. A conversa se estendeu ainda por mais alguns minutos, ao fim dos quais ele me estendeu um envelope com fotos de sua esposa e informações adicionais sobre sua rotina, além de um generoso cheque. Devo dizer que isso me surpreendeu: a quantia expressa era bem maior do que eu ousaria pedir. O mais irônico é que no fim da nossa conversa eu já me debatia mentalmente com um provável dilema ético, já que sua mulher era minha cliente no mesmo tipo de investigação, e tendo ele como objeto. Mas o olhar feliz de Analú eclipsou qualquer escrúpulo que eu poderia ter. Eu sabia o que ela estava pensando. O dia do seu pagamento já havia passado há muito tempo e eu finalmente podia quitar minha dívida com ela. Melhor que isso, somente o bônus que acompanharia o seu salário, o que ela ainda não sabia.

Depois que o homem saiu, chamei Analú e lhe contei da primeira cliente e seu parentesco com o sujeito que acabara de sair.

— Coisa mais estranha! – Ela exclamou, franzindo o cenho. — Um desconfia do outro, então?

— É o que parece, mas as aparências enganam. — Disse eu, ainda sem saber como concretizar as duas missões. Não seria fácil lidar com o conflito de interesses que certamente adviria.

— Como você vai resolver isso? — Perguntou Analú, com uma expressão de gato querendo comer o canário. A razão daquela pergunta logo se mostrou clara para mim nos minutos seguintes.

— Não tenho a menor ideia. Na verdade, eu não devia ter aceitado o segundo cliente, mas não posso me dar ao luxo de recusar trabalho.

Ela rodeou minha cadeira e iniciou uma massagem em minha nuca. Isso era sempre o prelúdio de um pedido. O modo como Analú derrubava objeções que ainda não tinha escutado para aquilo que ela pediria, e que eu ainda não sabia o que era.

— A gente podia se dividir. — Ela disse baixinho, perto do meu ouvido. Isso já era apelação descarada.

— Como assim? – Perguntei. Fingir que não havia entendido era um velho truque que ela tacitamente aceitava. Assim a massagem duraria mais alguns minutos.

— Você poderia continuar investigando o sujeito e eu a mulher dele. Faríamos relatórios separados e independentes, sem que um tomasse conhecimento do que o outro havia conseguido apurar, não é legal?

Era uma solução capenga para o dilema ético, mas eu sabia que ela há muito desejava fazer mais do que atender telefone e servir cafezinho. Após alguns segundos de suspense, eu concordei. Ela deu um gritinho entusiasmado e pulo no meu colo.

— Jura?

— Juro. Agora levante antes que alguém entre de repente e me acuse de corrupção de menores.

Ela riu e levantou-se ajeitando a saia.

— Acho que corrupção de “maiores” seria mais exato. — Disse ela com uma expressão maliciosa.

— Neste caso, minha doce menina, as aparências é que contam. Agora pegue o seu salário. — Disse-lhe, enquanto lhe estendia o envelope com o dinheiro que havia separado, antes de sair de casa.

Esse era um bom pretexto para mudar de assunto, antes que a situação se tornasse mais embaraçosa. Eu andava tendo sonhos estranhos com Analú, ultimamente, e era melhor não abusar da sorte. Coisa da idade, eu suponho, mas a perspectiva de me tornar um velhinho pervertido não me agradava.

 Enquanto esses pensamentos me assaltavam a mente, Analú contava o dinheiro e abria um sorriso, ao perceber ser bem mais do que esperava.

— Tudo isso?

— Juros de mora pelo atraso. — Eu disse. — E mais alguma coisa, pela possibilidade muito provável de atrasos futuros.

— Legal. É ótimo trabalhar com você.

— Fico feliz que você esteja satisfeita. Agora pegue este outro envelope, vá para a sua mesinha e leia atentamente as informações que o nosso novo cliente trouxe sobre sua mulher.

— Sim, senhor! — Disse ela batendo continência.

Acompanhei seu andar insinuante por um dissimulado segundo e deixei escapar um suspiro. Logo que Analú saiu e fechou a porta, eu dei de cara com Kafka me fitando. Ela não parecia muito satisfeita comigo.

– Você viu que foi ela quem pulou no meu colo, não viu? – Disse-lhe, embaraçado com aquele olhar repressor.

A Barata vibrou suas antenas de forma irônica e sumiu numa fresta. Sem fazer caso de seus rompantes de ciúme, peguei meu relatório sobre o primeiro dia de investigação, que apresentaria à minha cliente. Por um momento fiquei a imaginar a sua reação ao ler aquelas anotações. Infelizmente, tudo o que eu tinha para corroborar minhas informações era a gravação dos arrulhos dos pombinhos no estacionamento.

Alguns minutos depois eu me despedi de Analú e rumei para o banco. Seria a primeira vez em muitos meses que entraria na agência sem suar frio com o olhar do gerente. Desta vez eu iria querer um tratamento vip. Talvez até tomasse um cafezinho.

Depois da visita ao banco, entrei num botequim e pedi um cafezinho. Precisava por os pensamentos em ordem, para dar conta das duas investigações, sem que uma entrasse em conflito com a outra. Contudo, não era só isso que requeria minha atenção. Algo me incomodava desde que saí do escritório, e não adiantava tentar enganar a mim mesmo. A figurinha de Kafka vibrando suas antenas não me saía do pensamento. Isso sempre acontecia quando eu fazia algo que não devia ter feito. A barata era meu grilo falante, por assim dizer, e não me deixava esquecer nada, até que tomasse uma atitude.

Eu sei que Kafka não havia aprovado o segundo caso que aceitei, uma vez que o cliente já era o alvo de investigação da própria mulher, pelo mesmo motivo. Contudo, havia um mistério irresistível naquele caso de infidelidade mútua, que eu já estava decidido a desvendar, qualquer modo. Só que, para isso, havia concordado com a participação de Analú nas investigações e isso poderia expô-la a algum perigo. O problema é que ela estava entusiasmada com essa possibilidade e não seria fácil eu retroceder quanto a isso. Além disso, eu realmente precisava do seu auxílio.

Depois do segundo copo de cafezinho, resolvi limitar o trabalho de detetive de Analú às investigações pela internet, principalmente nas redes sociais. Esse era um campo de pesquisa que ela entendia bem, e a manteria fora de encrencas perigosas. Felizmente, a solução desse impasse veio antes que eu atingisse o meu limite de tolerância à cafeína e sofresse um ataque de taquicardia. Passei no correio, para retirar uma encomenda e voltei para o escritório, disposto a revelar para minha assistente os detalhes de sua participação nas investigações.

Como eu já esperava, Analú não gostou muito das mudanças que fiz, mas percebi que Kafka, incrustada na parede atrás dela, havia aprovado minha ideia. Em paz com minha consciência, me preparei para apresentar o primeiro relatório à minha cliente. A ideia de revê-la me agrava mais do que eu ousaria admitir, embora mantivesse em mente uma vaga determinação de não misturar as coisas. Todavia, a solidão prolongada tinha a propriedade de me levar a devaneios românticos com qualquer mulher bonita que cruzasse o meu caminho.

Ela chegou no meio da tarde, apesar de eu ter tentado marcar sua vinda para o fim do dia. Por algum motivo que ainda não consigo compreender, eu quis evitar o encontro dela com Analú. Teria sido uma providência justificada, dada à tensão que se instalou entre elas, assim que a loura chegou e se apresentou na recepção.

A entrada dela no escritório não poderia ter sido mais impactante. Seu olhar glacial fez uma varredura completa em todo o recinto. Felizmente, Kafka permaneceu a salvo em sua fresta de costume. Nem mesmo suas antenas se mostraram visíveis, desta vez. Analú, no entanto, fez questão de mostrar toda a sua exuberância e não economizou em caras e bocas por detrás de nossa cliente. Tive que me esforçar para não cair na gargalhada. Felizmente, ela percebeu exagerar e retirou-se antes que eu a expulsasse.

Finalmente, a sós com a cliente, eu a convidei para sentar e esperei que se acomodasse na cadeira em frente à minha escrivaninha. Naquele momento me ocorreu que eu não conseguia me referir a ela pelo seu nome. Em minha mente sua imagem estava definitivamente associada ao adjetivo “Loura”. Talvez isso fosse o instinto de autodefesa funcionando, sei lá. Uma tentativa de manter em nossas relações um caráter impessoal. Ela fazia o tipo “Loura Fatal”, e eu já tinha problemas demais em minha vida.

—  Então, o senhor já tem algo para mim? — Perguntou ela se ajeitando na cadeira.

Infelizmente, desta vez ela não ostentava aquele decote espetacular. Mesmo assim, ainda era uma figura estonteante naquele vestidinho florido com decote canoa. Após uma pequena pausa dramática, eu abri a pasta que continha o relatório  do meu primeiro trabalho de investigação. Cuidadosamente ocultei a emoção que aquele gesto me causava. Não era para menos. Foi quase dois meses à espera do primeiro caso, mas ela não precisava saber disso.

— Infelizmente sua suspeita foi confirmada. — Disse-lhe, ao virar o relatório em sua direção.

Ela ficou em silêncio por um instante, enquanto percorria rapidamente com os olhos as linhas do meu relato. Enquanto ela lia, eu percebi uma leve contração no canto da sua boca. Seria de aborrecimento?

— Fotos? — Ela perguntou de modo imperativo.

— O local estava muito escuro e era impossível usar flash sem pôr em risco o trabalho de investigação. — Respondi-lhe, torcendo para que não soubesse da existência de câmeras capazes de fotografar no escuro.

— Preciso de fotos. — Ela retrucou fria.

— Certamente. Nessa noite não foi possível, mas tenho isso. — Disse enquanto acionava o arquivo de som do meu PC e lhe passei os fones de ouvido. Não queria que Analú escutasse aquele momento de sacanagem explícita e nem constranger minha cliente.

— Eu sabia! — Ela disse, enquanto escutava. Sua voz, no entanto, permaneceu neutra, como se estivesse falando de um estranho. — Eles vão se encontrar novamente, o senhor percebeu?

— Sim. Eles vã encontrar-se amanhã à tarde na universidade, supostamente para tratar da orientação do TCC da jovem. Será uma boa oportunidade para tirar as fotos.

Ela me olhou com uma expressão pensativa. Percebi que alguma ideia estava lhe ocorrendo e aguardei.

— Quero ir com o senhor, amanhã.

Danou-se. O que menos precisava era uma mulher ciumenta e histérica do meu lado numa situação daquelas.

— Infelizmente isso não será possível. —  Disse-lhe do modo mais profissional possível. — A senhora está emocionalmente envolvida com o objeto da investigação.

— Emocionalmente uma ova. — Ela retrucou de modo vulgar. — Ele que fique de vez com a vagabunda. Não me importo.

Diante de meu olhar interrogativo, ela continuou no mesmo tom.

— Quero apenas ter a oportunidade de retribuir a afronta no momento em que ela ocorrer. —  Disse, misteriosa.

Achei melhor não perguntar o queria dizer com isso e neguei mais uma vez a possibilidade de ela me acompanhar na investigação, ainda mais a bordo do meu fusquinha. Aquela loura não combinava com o valoroso carrinho, verdade seja dita. Infelizmente, eu nunca consegui dar a última palavra com mulher nenhuma. Com movimentos lentos e calculados, ela foi empilhando notas de cem reais em cima da mesa.

Eu já tinha decido ceder, mas resolvi vender caro minha dignidade machista e assisti impassível ela esvaziar a carteira e puxar o talão de cheques. A canalhice às vezes compensa e quem sou eu para ser virtuoso? Combinamos de nos encontrar no início da tarde do dia seguinte, num estacionamento próximo da universidade, quando ela mudaria do seu carro para o meu. Depois daquele pagamento extra, pouco me importava o que ela faria, caso flagrasse o marido em adultério, mas eu gravaria tudo com meu relógio espião, para me garantir. Felizmente consegui pegá-lo no setor de encomendas dos Correios antes que fosse devolvido ao remetente. Eu já havia recebido o aviso uma semana antes, mas não tinha dinheiro para pagar o reembolso até ontem.

Após finalizar o pagamento, ela se despediu alegando compromissos com o cabeleireiro. Tinha um jantar beneficente à noite no Ritz e não queria arriscar se atrasar. Vale dizer que o Ritz era o clube mais exclusivo da cidade.

Mal a Loura saiu da sala, Analú entrou com cara de poucos amigos. Ela tinha ouvido a conversa. Kafka chegou a pôr as antenas de fora da fresta, mas prevendo que o clima não seria muito amigável, tratou de recolher-se.

— Então ela pode, mas eu não. É assim? — Interpelou Analú, com as mãos na cintura, na clássica posição de açucareiro, que as mulheres gostam de adotar em ocasiões de confronto.

— O que eu poderia fazer? Ela pagou muito bem pela brincadeira. — Respondi-lhe, enquanto contava ostensivamente o dinheiro na sua frente.

— Nossa! Tudo isso?

O espanto de Analú não era sem razão. A loura pagou, de uma vez, tudo o que consegui faturar em mais de um ano em todos os negócios que tentei.

— Tome. — Falei, estendendo-lhe algumas notas.

— O que é isso?

— Suborno.

—  Não quero. — Respondeu fazendo menção de devolver as notas.

— Tá bem! — Eu disse, estendendo a mão. — Não me importo em ser subornado.

Ela, mais que depressa, puxou sua mão de volta.

— Pensando bem, eu fico.

A rapidez de raciocínio de algumas mulheres não é uma maravilha? Depois desse colóquio edificante, eu me despedi de Analú e saí do escritório. Já era hora de comprar alguns equipamentos suplementares e uma máquina fotográfica, capaz de fazer boas fotos com pouca luz, era o primeiro item da lista. Eu  tinha um encontro não anunciado com a Loura naquela noite. Era o momento de fazer jus ao pagamento feito pelo segundo cliente. Felizmente ela fez a gentileza de dizer onde estaria e isso me pouparia o trabalho de fazer campana na frente de sua casa.

À noite eu estava lá, pronto para mais uma jornada. Quem pensa que o trabalho de detetive é só glamour, não sabe de nada. Fazer campana, por exemplo, é um pé no saco. Sem contar que eu cheguei atrasado, por conta da insistência do fusca em não funcionar. Ele só mudou de atitude quando o ameacei trocá-lo por um Chevette. Felizmente o funcionário do clube que cuidava do estacionamento mostrou-se solícito. Ante a visão de uma nota de cem reais, ele me facilitou as coisas. Ao que parecia, eu me acostumei rápido com o dinheiro no bolso e estava a caminho de me tornar  um perdulário contumaz.

Com o fusca estacionado num local estratégico, procurei uma janela onde pudesse vislumbrar o interior do clube. Na lateral do prédio encontrei uma, localizada providencialmente numa área de sombra do lado de fora. Eu poderia observar o salão sem ser visto e, satisfeito com a sorte, apertei o passo em direção dela.

Ao me aproximar, percebi que o local escolhido por mim já estava ocupado por alguém que observava atentamente o interior do salão. Era Analú, que esticava o pescoço para ficar na altura da janela.

— O que você está fazendo aqui? — Perguntei do jeito mais autoritário que pude fazer.

— Shhh! — Fez ela com o indicador nos lábios, enquanto apontava com a outra mão a Loura sentada bem em frente à janela.

Metida num microvestido espetacular, a Loura sorria de alguma coisa engraçada que um sujeito de queixo quadrado lhe cochichava no ouvido. Não sei por que, odiei aquele cara. Esse sentimento não fazia nenhum sentido, é claro. O provável chifrudo não era eu, afinal de contas.

— Eles tão levantando. — Cochichou Analú.

—  Acho que vão sair. Vamos para o estacionamento.

— Mas…

— Não queria ser detetive? Agora venha! — Disse-lhe puxando-a. Ela me seguiu feliz.

Voltei para o carro com Analú. Ele estava numa posição que permitia ver a saída do prédio e a parte do estacionamento. Contudo, o casal ainda demoraria a aparecer na porta do clube e aproveitei para interpelar minha rebelde assistente.

— Eu a ouvi dizer aonde ia hoje à noite e achei que poderia segui-la sem ser vista. — Respondeu gaguejando, diante de meu olhar pretensamente furioso.

— E não pensou que isso poderia ser muito perigoso?

— Ora!… — Exclamou ela, enquanto dava de ombros num gesto que queria dizer que aquilo não a preocupava. — Aqui é um local público e não um beco escuro, não é?

Sua lógica era irrefutável, mas eu não poderia recuar sem abrir um precedente perigoso. Afinal, minha assistente ainda era “dimenor” e não poderia fazer um trabalho de campo, sob o risco de me arrumar um caminhão de encrenca.

— Você tinha uma pesquisa importante a fazer na internet, por que não se concentrou nela?

— Mas eu fiz a pesquisa… — Disse ela fazendo beicinho. Se começasse a chorar ia ser uma tremenda covardia.

— Fez?

— Fiz! E até descobri uma coisa importante sobre essa loura e o marido dela.

— É mesmo. O quê?

— Eles são membros do malice.com.

— Malice ponto com? O que é isso?

Ela riu daquele jeito dos adolescentes antenados e conectados ao mundo virtual.

— Em que planeta você vive? Malice é uma rede social de praticantes de swing. Troca de casais, entendeu?

Ainda não sei se fiquei chocado por Analú saber aquilo ou pelos desdobramentos da investigação. Parecia claro que ninguém era inocente naquele caso. Restava saber por que o casal tinha contratado o mesmo detetive para investigar-se reciprocamente. Tudo indicava que isso era muito mais que coincidência.

—Como você conseguiu entrar nessa rede? Não tem que ter cadastro?

Ela riu de novo. Desta vez com um olhar sacana.

— Eu fiz um cadastro fake de nós dois.

— Nós dois? Ficou maluca?

— O cadastro só pode ser feito por casais, mas não se preocupe.

— Como não? Eu posso ser preso por corrupção de menores. Já esqueceu a sua idade?

Novamente aquele abusado dar de ombros. Analú consegue ser muito irritante quando quer.

— Só por mais dois dias.

— Como assim, dois dias?

— Eu faço aniversário daqui a dois dias, esqueceu? Vou deixar de ser “dimenor”, como você diz a todo instante. Além disso, eu coloquei fotos de outras pessoas do Facebook e o site exibe apenas os apelidos que eu escolhi.

A cada revelação eu ficava mais chocado com as coisas que ela podia fazer. Analú já não me parecia a menina inocente que entrou no meu escritório no dia da entrevista. Por outro lado, confesso que essa mudança de olhar representava certo alívio na minha consciência, em relação aos pensamentos sacanas que me ocorriam ocasionalmente. Eu era normal, afinal de contas.

— Ela tá vindo para cá. — Falou Analú agitada, sem perceber meus dilemas morais.

Com efeito, o casal vinha em nossa direção. Estavam totalmente à vontade e paravam a cada instante para se beijar. Não eram beijos de um casal inocente, entretanto. Havia uma forte tensão sexual fluindo entre eles e, talvez, não conseguissem se controlar por muito tempo. Achei que era um bom momento para fazer jus ao pagamento que havia recebido do marido dela. Então estendi o braço para o banco traseiro e peguei a câmera fotográfica nova. Era hora da diversão.

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