— A aranha é uma criatura fascinante, não acha? — Perguntou ela de repente. Sem esperar resposta, continuou: — É um predador implacável e voraz.
O garoto engoliu o desjejum rapidamente e saiu apressado de casa. Dispunha de poucos minutos para atravessar o portão da escola, antes que o segurança o fechasse. Entrou na sala de aula no momento em que o professor de língua portuguesa abria a lista de chamada. B3em a tempo, porque ele era o primeiro a ser chamado.
Enquanto o professor iniciava a chamada, um avião de papel sobrevoou sua carteira, bateu em sua mão e caiu no chão. Ao agachar-se para pegá-lo, Ângelo deu de cara com o sorriso dentuço de Zeca, seu companheiro de muitas aventuras, reais ou imaginárias. Sua expressão indicava haver algo no avião de papel. Encontrou um recado para olhar em direção à posição vinte e uma horas de onde estava. Era onde se sentava a garota dos seus sonhos, Letícia. Olhou novamente para Zeca, que devolveu seu olhar com uma expressão de cumplicidade. Então voltou a contemplar sua deusa e percebeu que os botões de sua camisa estavam soltos e deixavam entrever os pequenos seios de bico rosado. Ao ver que ela não usava sutiã, ele maldisse o amigo por ser tão indiscreto, mas não conseguia desviar os olhos da visão mais sublime que se lembrava ter tido algum dia. Totalmente hipnotizado, ele seguia o movimento dos seios dela, no vai e vem da respiração e alguma mudança fortuita na sua postura. De repente percebeu que ela o fitava de modo zombeteiro. Atrapalhado, Ângelo sentiu o sangue subir até suas orelhas. Com esforço conseguiu controlar-se e olhar para ela novamente, embora ainda estivesse envergonhado por ser surpreendido. A menina sorriu e mordeu a caneta com uma expressão cheia de malícia.
— Ângelo, venha até o quadro. — Disse o professor de repente.
— Eu?
— Suponho que sim — Retrucou o professor, irônico. — Já que não existe outro Ângelo na minha lista de chamada. Queira vir até o quatro, por favor.
— Bem… Não posso. Eu…
— Algo errado, Ângelo?
— Ele não pode se levantar, professor. Respondeu Zeca.
— Por que não?
— Ele tá de barraca armada.
A Sala explodiu numa gargalhada quase uníssona. Com muito custo, o professor conseguiu impor a ordem, após intermináveis segundos de balbúrdia.
— Gostaria que os senhores colocassem tanta energia no estudo, quanto gastam com seus hormônios. Agora que o assunto está encerrado, vamos continuar a aula. Abram seus livros na página 48.
Ângelo não ouviu as últimas instruções. Estava com a mente ocupada em engendrar um plano para vingar-se de Gino. Juntou o que ainda lhe restava de dignidade e olhou para Letícia com um pedido mudo de desculpas estampado na face. Ela o ignorou ostensivamente, mas abotoou a camisa com gestos lentos. Só aí ele percebeu que ela havia permanecido com a camisa entreaberta até aquele momento. O possível significado disso o acompanharia durante todo o trajeto de volta para casa e iria martelar em sua mente por muito tempo, até que tivesse coragem suficiente para tomar uma atitude. Contudo, garota continuou ignorando-o até o fim da aula e saiu sem mesmo lhe dirigir um olhar.
Taciturno, Ângelo foi para casa sozinho, pensando se encontraria no caminho algum buraco onde pudesse se enfiar. A possibilidade de mudar de escola foi cogitada, mas ele mesmo rejeitou a ideia durante o trajeto para onde morava, o mundo cinzento em que vivia com os pais. Ao chegar, enfiou-se no quarto até ser chamado para jantar. Casa e comida parecia resumir as obrigações de seus pais para com ele. O resto da convivência parecia residir num terreno pantanoso de indiferença e enfado.
Depois do jantar era sempre a mesma coisa. O garoto via o pai esconder-se atrás de um jornal e fingir-se compenetrado na leitura. O homem pouco importava se já tivesse lido de manhã, desde que não se sentisse obrigado a prestar atenção na conversa da mulher. A “conversa”, na verdade, limitava-se a um monólogo, quando ela se punha a desfiar um longo e enfadonho relato das coisas corriqueiras e banais do seu dia, em meio a alguns resmungos de aquiescência do marido.
Ângelo não saberia dizer se os pais eram felizes. No olhar do menino, a vida deles parecia acompanhar a trajetória de um ponteiro de relógio, que voltava ao mesmo ponto a cada ciclo. A Rotina estava impregnada no destino de ambos, como uma âncora num pequeno mundo, familiar e seguro. Talvez isso fosse uma forma de felicidade, pensou ele algumas vezes, quando os via juntos nos momentos de refeição.
Nessa noite, porém, havia uma partícula de incerteza pairando no ar. Uma pequena nuance que se revelava num tom levemente acima do normal no costumeiro cacarejar da mãe, que lhe chamou a atenção. Havia um elemento destoante. Talvez o ritmo da respiração traindo certa ansiedade. Os assuntos de sua conversa eram quase os mesmos de todos os dias, mas ela parecia querer dizer algo mais daquela vez. Ele olhou para o pai e vislumbrou o conhecido arquear de sobrancelha, quando o homem ficava na expectativa de algum aborrecimento iminente.
— A Laura me ligou. — Disse a mulher de repente.
— Quem?
— Você sabe muito bem de quem eu estou falando. — Ela retrucou com irritação. — Minha amiga Laura. Aquela que você dava em cima quando éramos noivos.
— A Laura Pimenta? — Perguntou ele, subitamente interessado. — Desde que casou com aquele sujeito grã-fino nunca mais deu notícias. O que a fez ligar para você?
— É que… Bem, ela separou-se dele e está com algumas dificuldades no momento.
— E daí?
— Daí que ela pediu para morar conosco por algum tempo.
As palavras saíram como uma enxurrada que se segue ao temporal. O garoto ouvia atentamente, curioso com a reação paterna. Aquilo ia ser muito interessante. Finalmente havia alguma novidade naquela casa.
— O que você respondeu?
— Disse que poderia vir. — Respondeu a mulher, com um olhar de desafio.
O homem dobrou o jornal e se levantou da mesa irritado.
— Você deveria ter me consultado antes.
— O que eu poderia fazer? Era uma emergência. Ela saiu de casa com uma mão na frente e outra atrás. Eu não poderia negar ajuda a uma velha amiga.
— Velha amiga… — Ele retrucou com um muxoxo. — Eu sabia que aquela sirigaita ainda ia aprontar alguma. Era de se esperar, com a vida de solteira que levava e, depois, aquele casamento apressado.
— Não seja injusto. Ela não estava grávida, como todo mundo falava.
— Ainda bem! Imagine ela aparecer aqui com um pirralho nos braços. — Disse ele exaltado.
— Pare de gritar. — Ela ordenou.
— Grito o quanto eu quiser! — Retrucou o homem, enquanto baixava o tom de voz.
Ainda aborrecido, ele virou-lhe as costas e foi para o quarto e bateu fortemente a porta em protesto. A mulher permitiu-se um leve sorriso de triunfo, um detalhe percebido pelo garoto. “Lar doce lar”, Ângelo pensou, ao encaminhar-se também para o seu quarto. O nome da amiga de sua mãe lhe era familiar. Havia uma Tia Laura em suas lembranças de infância. Ela costumava levá-lo para passear. Dava-lhe presentes em algumas ocasiões e levava-o às matinês no cinema do bairro, num domingo ou outro. Graças a ela tornou-se um fã ardoroso de Guerra nas Estrelas. A suprema ingratidão é que não se lembrava da “tia” com a mesma nitidez que conseguia rever Darth Vader na memória. O fim da primeira trilogia marcou também a última vez que a viu. Tempos depois, sua mãe mencionou casualmente que ela havia se casado e mudado para outra cidade. Agora estava de volta. Ficou imaginando se ela ainda usava aqueles vestidos curtos e decotados. Era difícil falar com ela, sem que os olhos escorregassem para alguma zona proibida pela moral imposta pelas aulas de catequese. Talvez, desta vez, tivesse a chance de olhar seus peitos, sem que alguém lhe dissesse estar cometendo um pecado mortal.
Piscou o olho e cedeu ao impulso de um bocejo. Apagou a luz e tentou dormir, mas ainda continuou pensando na “tia” Laura por mais algum tempo. Através da janela fechada, o ruído intermitente de um grilo avançava nos cantos escuros da noite e ressoava em seu inconsciente. Gradualmente o ruído cessou e o silêncio serenou as águas do sono, convidando-o para um mergulho profundo.
Acordou de repente, com o costumeiro grito da mãe.
— Levanta Ângelo! Tá na hora de acordar. — Ela gritou, enquanto o sacudia com um vigor insano.
O garoto odiava aquele jeito de acordar. Coçou a cabeça e apertou os olhos antes de abri-los completamente e olhar para a mãe.
— Bom dia, filhinho. — Ela saudou.
Odiava aquele “filhinho” de manhã cedo também.
— Dormiu bem?
Um resmungo foi a resposta. Ainda sonolento, ele dirigiu-se para o banheiro.
—Você não tem muito tempo. Não demore no banheiro como sempre faz.
“Sim, Sargento!”.
No dia seguinte, ele não viu Letícia. Ela faltou às aulas por algum motivo e isso adiou seu plano de falar o que sentia por ela. Tanto melhor, ele pensou. Não estava ainda preparado para a primeira rejeição. Esse pensamento não era lá muito encorajador, mas sua intuição já lhe dizia que tentar namorá-la era uma causa perdida. Com efeito, no caminho para casa, Ângelo a viu de mãos dadas com outro garoto.
Semioculto atrás de um poste, Ângelo engoliu a decepção e tomou outro caminho. Ao entrar em casa, percebeu vozes na sala. Uma delas era desconhecida, embora vagamente familiar.
— Ah! Finalmente você chegou — Exclamou a mãe, com um entusiasmo inusitado na voz. — Venha até aqui, filhinho. — Vem dar um abraço de boas-vindas à tia Laura.
Ao lado de sua mãe, uma mulher lhe sorria.
— Acho que ele não lembra mais de mim. — Disse tia Laura, ao levantar-se.
Desajeitadamente, ele correspondeu ao abraço apertado que ela lhe deu, com um beijo demorado na face.
— Senti muitas saudades de você, meninão. — Sussurrou-lhe ao acariciar sua nuca.
Ela lhe falava tão de perto, que Ângelo não pôde deixar de notar a estranha simetria de seus dentes, imaculadamente brancos e perfeitamente alinhados. A imagem de um predador lhe veio à mente, mas ele reprimiu aquele pensamento e concentrou-se na “tia”. Lembrou-se que só ela o chamava de “meninão” e essa lembrança levou a outras que estavam adormecidas em algum canto de sua memória. Todas vinham acompanhadas de uma sensação de bem-estar e encantamento, exceto a que se referia ao dia em que soube que ela foi embora.
— Nossa! – Ela exclamou, após soltá-lo. — Deixei um menino e agora encontro um homem feito. Tomou fermento?
— Ele puxou à minha família. – Disse a mãe, sem disfarçar o orgulho.
— Não pensei ter ficado tanto tempo longe. — Disse Laura, com uma breve expressão de tristeza no olhar.
— Não pense nisso querida. Você está conosco agora. Ângelo, meu filho, vá lavar as mãos e venha ajudar-me com o jantar.
—Deixe o menino, Sofia. Eu ajudarei você
O garoto aproveitou a deixa e escapuliu para o banheiro. Tarefas domésticas não faziam parte da sua relação de coisas interessantes para fazer. Não que um banheiro fosse tão atraente assim, mas ele tinha um estoque de gibis e algumas revistas eróticas escondidas no forro. Era ali que dava vazão aos seus devaneios juvenis e, também, deixava o tempo passar quando estava aborrecido.
Ângelo saiu do banheiro somente quando ouviu a voz do seu pai. Ele detestava encontrar o banheiro ocupado quando chegava vindo do trabalho. O garoto, na verdade, nunca se preocupou muito com isso. Todavia, pensou que seria interessante apreciar o encontro dele com sua antiga paixão. Pelo menos isso tiraria o foco de atenção sobre si. Assim, poderia observá-la com mais tranquilidade. A “tia” Laura o perturbava mais do que gostaria de admitir, mas estava contente com a sacudida que ela deu na rotina daquela casa. Até mesmo sua mãe parecia mais viçosa, depois da chegada dela.
O Jantar transcorreu normal, de certa forma. Exceto que os costumeiros monólogos de sua mãe foram entremeados pela voz de Laura. Elas relembravam a época em que eram solteiras e algumas dessas lembranças pareciam evocar momentos mais felizes do que o presente proporcionava. O pai, como de hábito, nada falava e parecia ausente daquela mesa, mas Ângelo percebeu no seu olhar distante um breve lampejo de ressentimento. Ao contrário das mulheres, havia em suas lembranças algumas dores não esquecidas.
Sob o olhar do garoto, a serenidade de Laura contrastava com a vivacidade nervosa da mãe dele e o olhar perdido do pai. Ele levava a colher à boca em gestos lentos, como se tomar a sopa fosse tudo o que lhe importava em todo o universo. Ângelo percebia que seu pai se esforçava para transparecer uma tranquilidade que estava longe de sentir, o que lhe dava um aspecto cansado e patético.
Somente Laura parecia ouvir o que a mãe falava. De repente Ângelo sentiu uma necessidade premente de escapulir dali. Apressadamente terminou o jantar e murmurou um pedido de licença que ninguém pareceu ouvir, para seu alívio. Em certos momentos era bom ser invisível. O fato é que se sentia constrangido por eles e isso era tudo que poderia suportar, naquele momento. Deixá-los só era uma maneira de ajudá-los. Talvez conseguissem reatar os laços que os uniu em outra época.
Saiu para o jardim. O cheiro de grama molhada pelo orvalho impregnava o ar frio da noite. Pensou em voltar para pegar um casaco, mas desistiu da ideia e foi para a rua. Gostava de caminhar quando algo o incomodava, só não sabia ainda o que era.
Quando voltou para casa, todos estavam entretidos com um programa de televisão. Aproveitou a pouca atenção que lhe deram para tentar esgueirar-se discretamente para o quarto, mas sua mãe o chamou no último passo antes da porta e, segundo sua experiência, aquilo não era um bom sinal.
— Sua cama está feita no sofá da sala, querido. A tia Laura vai ficar no seu quarto por algum tempo.
Ele ajeitou-se no sofá com algumas revistinhas e esperou pacientemente que a TV fosse desligada. Felizmente isso não demorava a acontecer em sua casa. O som de passos no corredor interrompeu sua tentativa para adormecer. Não se deu ao trabalho de olhar. Quem quer que fosse certamente não estava ali para falar com ele. Naquela casa ninguém costumava falar com ele algo além do trivial e o estritamente necessário. Todavia, alguém se espremeu entre o seu travesseiro e o braço do sofá. Acariciou seu cabelo e aquele afago tinha algo remotamente familiar.
— Sei que você está chateado comigo, Ângelo. — Disse a mulher, num sussurro.
Ele se esforçou para não esboçar nenhuma reação. Isso não era uma tentativa para rejeitá-la. Simplesmente não sabia o que fazer
— Eu lamento perturbar sua vida, mas ficarei aqui por pouco tempo. Apenas o suficiente para me reorganizar e tomar algumas decisões.
A mulher falava suavemente, como se o estivesse acariciando com as palavras. Ângelo arriscou um rápido olhar. Ela não o fitava e parecia falar para si mesma. Estava de camisola e sentada contra a luz difusa que vinha do corredor. Sua silhueta desenhada na contraluz lembrava uma estátua grega, cuja foto ele viu em algum livro. Desconcertado, Ângelo notou estar muito próximo de suas coxas e podia sentir o perfume suave que ela exalava.
Ela percebeu que ele estava acordado, mas não se afastou. Depois de um momento calada, voltou a acariciar seus cabelos.
— Estou aborrecendo você, não é? Vou deixá-lo dormir. Eu sei que você tem que acordar cedo, mas não poderia deixar de me desculpar por ocupar o seu quarto.
Ela se curvou e beijou-o na face. Novamente aquele beijo suave e úmido que ele sentiu outra noite. Sentiu-se envergonhado por não ter tido coragem de abrir os olhos e falar-lhe. Ao ouvir seus passos em direção ao quarto, sentiu vontade chutar sua própria bunda.
O dia seguinte não o encontrou com um ânimo melhor. Ângelo pegou uma forte gripe e isso o de deixou acamado por vários dias. Apesar de o arsenal de receitas caseiras de sua mãe ser uma ameaça maior que a gripe, propriamente dita, ele sobreviveu. Entre chás de alho e folha de laranja, entremeados com analgésicos diversos, a convalescença do garoto acabou não sendo nenhum castigo, paparicado em tempo integral pela “tia” Laura.
Nessas ocasiões era difícil, mesmo doente, não olhar para o decote que ela generosamente parecia exibir, e que aumentava o diminuía caprichosamente, conforme a roupa que usava e os movimentos que fazia com a colher, ao imitar comicamente o aviãozinho das histórias de bebês.
— Você está olhando os meus peitos? — Perguntou Laura de repente, num sussurro.
— Eu? Não! Imagina…
Ela riu do embaraço dele, mas havia no seu olhar um brilho de cumplicidade.
— Você está olhando, sim. Eu vi seu olhar.
— Desculpe…
Ela o olhou demoradamente. Estava séria, mas parecia sorrir com o olhar
— Tá tudo bem. Não vou brigar com você. — Disse, antes de levantar-se. — Agora tente descansar um pouco.
Depois disso, os devaneios eróticos já não tinham Letícia como inspiração. Também o sono, que antes vinha tão fácil, demorou mais a chegar, naquela noite.
Outro dia se passou e a gripe já dava sinais de ceder. Sinais esses, que ele ocultava cuidadosamente, a fim de prolongar os cuidados que recebia da “tia” Laura. À noite, depois que ela se recolheu, ele notou que o congestionamento nasal e a dor de cabeça não o incomodavam mais. Ângelo acomodou-se melhor para tentar dormir, quando ouviu passos furtivos no corredor. Por um instante pensou que ela voltava e seu coração disparou. Contudo, quem surgiu em meio à penumbra e andando com passos cautelosos era seu pai. De onde estava, podia vê-lo parado na porta do seu quarto olhando furtivamente para dentro. Quem diria que o velho fauno ainda tinha libido? Assim pensou o garoto, com uma mordacidade incomum para a sua idade, enquanto olhava a patética figura espreitando o interior do quarto, como uma ave de rapina.
Ângelo sentiu-se tentado a deixá-lo prosseguir naquela lúbrica vigília. Contudo, não queria expor Laura a uma possível situação constrangedora, caso ela acordasse de repente. Simulou um acesso de tosse que ecoou pela casa toda. Seu pai sobressaltou-se, olhou para ele e, rapidamente, voltou para o seu quarto.
Alguns minutos depois foi a vez de ele sentir-se tentado em verificar o que seu pai conseguia ver da porta do quarto. Levantou-se como se sua intenção fosse ir ao banheiro, mas parou onde queria. Ela dormia de bruços e sua respiração compassada indicava estar em sono profundo. Dormia como um anjo e ele, comovido, sentiu-se um intruso a violar sua intimidade. Tentou voltar, mas não conseguia deixar de olhá-la. Preferia sofrer todas as penas do inferno a afastar-se dali.
Armando-se de coragem, Ângelo entrou no quarto. Tentou andar de modo silencioso, mas bateu com o joelho na cama. A mulher se mexeu e virou-se para cima. O movimento quase lhe descobriu os seios e ele percebeu que Laura estava nua sob o lençol. Ele chegou até a porta disposto a sair antes que ela acordasse, mas sem conseguir resistir, voltou para apreciar sua nudez, sem muita cerimônia dessa vez, já acostumado com a ideia de se tornar um pervertido em tempo integral. Ela mexeu-se novamente e o seio esquerdo ficou completamente descoberto. Ângelo aproximou-se e viu a tatuagem. Era uma aranha estilizada, tatuada de modo a parecer guardar o mamilo intumescido que apontava para ele.
A Aranha parecia zombar de sua angustiada excitação, tão carregada de culpa por invadir a intimidade de uma mulher dormindo. Mesmo a contragosto, Ângelo saiu do quarto e voltou para a solidão do sofá. Aquela noite certamente seria uma daquelas em que ele iria penar para adormecer. E assim foi. Meia hora depois ainda estava procurando uma posição que o fizesse mergulhar no mundo dos sonhos, mas um ruído o pôs novamente alerta.
A luz do pequeno abajur na mesa ao lado do sofá foi acesa e alguém se aproximou. De olhos fechados, ele fingiu estar dormindo, esperando que não fosse ‘tia’ Laura. Mas era ela.
— Abra os olhos, Ângelo. Sei que você está fingindo. — Ela sussurrou.
— Tia Laura? – Respondeu ele, com os olhos piscando e uma expressão pretensamente sonolenta.
Ela soltou uma risada. Um riso baixinho e malicioso.
— Pensou que fosse algum fantasma?
— N-não! — Gaguejou ele sem jeito.
— O que há menino? Não queria me ver? Então aproveita…
Ela deixou cair o lençol e exibiu sua nudez em todo o seu esplendor.
— Então? Sou bonita?
Ele tentou responder, mas não conseguiu articular nenhuma palavra.
— Agora chega pra lá, ela disse. Hoje vou dormir com você.
Ela deitou-se ao seu lado e o abraçou como fazia quando ele era pequeno. Sem jeito, Ângelo encolheu-se temendo encostar-se a seu corpo, mas ela não lhe deu trégua.
— Nossa! Como você cresceu menino. Mas será que cresceu tudo direitinho? — Disse ela, enquanto o mordiscava na orelha e sua mão descia em círculos, até sumir sob o elástico do calção do pijama. Ele sentiu o calor da mão dela a envolver seu pênis e iniciar um movimento de vai e vem, enquanto acariciava a glande com o polegar.
Os pelos da nuca de Ângelo se eriçaram e ele mal podia acreditar no que estava acontecendo.
— Ah! Que coisa boa você tem aqui, meninão…
“Será que tô sonhando? Ela tá fazendo isso mesmo”?
Uma sensação forte subiu pela virilha e explodiu em um gozo prolongado, como se o mundo fosse acabar. Era como um rio represado, que rompeu o dique e encontrou seu caminho. De repente, o alarme do relógio ressoou insistente no silêncio da noite. ” Quem, diabos, botou o relógio para despertar de madrugada”?
— Ângelo, meu filho! Desligue esse despertador — Gritou sua mãe da cozinha.— Esqueceu que hoje você não vai à escola?
“Que bosta!” Ele pensou, enquanto procurou com os dedos o estrago feito no lençol. A mancha acusadora estava ali.
” Que meleca! Talvez, se deixar tudo dobrado, ela não note. Se descobrir, me mata”.
De costas para o corredor, Ângelo não percebeu que Laura havia entrado na sala.
— Bom dia, Ângelo! Dormiu bem? — Ela saudou alegre.
Ele se virou rapidamente. Estava embaraçado, e o rubor traiçoeiro e inoportuno não demorou a queimar suas faces.
—Nossa! Você parece um gato que acabou de comer o canário. — Disse Laura, tentando sufocar o riso.
Atrapalhado, Ângelo deixou cair o lençol que segurava na cintura e a mancha amarelada e suspeita apareceu para ela. Laura o fitou amistosamente, como se não houvesse nada de anormal.
– Vá tomar seu banho, enquanto eu arrumo essa bagunça. — Disse sem demonstrar se percebia o que tinha acontecido.
Balbuciando um agradecimento, Ângelo escapuliu rapidamente da sala. Aquilo não poderia ter acontecido, disse ele para si mesmo, enquanto socava furiosamente a parede.
— Ângelo! — Gritou sua mãe.— Que barulho é esse, menino?
— Nada, não. Tô só verificando se os azulejos não tão soltos.
— Azulejos soltos? Saia logo desse banheiro, antes que o destrua. Anda logo! Preciso verificar sua temperatura.
— Já tô saindo. — Resmungou Ângelo, antes de abrir a porta e sair enrolado numa toalha. Já sabia que isso irritava sua mãe. Ela achava uma falta de compostura sair do banheiro sem estar totalmente vestido.
— Vá se vestir! — Ordenou ela com impaciência.
Ângelo correu para o quarto antes que ela resolvesse estender o assunto. Na pressa deu um encontrão em Laura, que saía do quarto com uma pilha de roupa suja nos braços. Com o impacto as roupas e a toalha dele foram ao chão.
— Precisamos parar de nos encontrarmos assim, meninão. — Disse ela, ao agachar-se para pegar as roupas.
Ângelo permaneceu parado, sem saber o que fazer e sentindo-se um completo idiota, ao tentar esconder sua genitália com as mãos.
— Esse tipo de situação acaba com a reputação de uma dama, sabia? — Disse Laura, ao estender-lhe a toalha. Ela tinha um leve sorriso e um olhar zombeteiro. — Sabe que eu já enxuguei você muitas vezes?
— J-já? — Gaguejou ele.
— Já. Quando você era pequeno. Quer um talquinho?
— N-não precisa não, obrigado.
Ela riu novamente e saiu do quarto. Ângelo ficou olhando a porta com a impressão de que havia feito papel de tolo e isso não ia ficar sem troco, ele pensou, sem ter a menor ideia de como ia fazer isso.
Continua…
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