Por G. C. Milezzi

A ideia de olharmos para a realidade e os fenômenos que a compõe como uma trama de relações é fascinante. Capra nos apresenta uma forma de compreender a vida que subverte os pressupostos teóricos tão caros à ciência tradicional. Leva-nos a outra compreensão da vida, baseada numa cadeia de sistemas e subsistemas que interagem em vários níveis, sendo cada um importante, mas não mais que outro, na totalidade. Essa compreensão se aplica não apenas aos sistemas vivos, no caso da biologia, mas representa também uma nova percepção da realidade como um todo, em todos os níveis, desde fenômenos físicos e químicos, como também às instituições sociais, políticas, jurídicas e econômicas.

Nesse sentido, talvez a contribuição mais importante da Teoria Sistêmica – pela urgência que o assunto requer – seja percebermos as questões ambientais dentro do paradigma que a sustenta. Pensarmos o meio ambiente como a totalidade de uma cadeia de sistemas delicadamente equilibrada e inter-relacionada significa olharmos o planeta analogamente como olharíamos um ser vivo. Essa mudança no pensar não é tarefa das mais fáceis, pois significa abrir mão de valores profundamente arraigados em nossa cultura, baseada na acumulação e no consumismo desenfreado. E mais que isso, admitir que o planeta é a totalidade (considerando apenas o mundo em que vivemos) de uma complexa teia viva, significa olharmos para nós mesmos como uma parte (e não a mais importante) desse sistema, e indo mais adiante, talvez percebamos uma nada lisonjeira analogia entre seres humanos e os micro organismos que causam doenças. Seria justo então pensar que o planeta está doente e que, nós, seres humanos, somos os responsáveis por isso. A diferença é que, ao contrário de um vírus, sabemos disso; e ao saber, temos a possibilidade de evitarmos a tragédia final.

Pela teoria sistêmica – no dizer de Capra – as soluções para conter a degradação ambiental é pensarmos os que problemas de nossa época não podem ser entendidos isoladamente. São problemas sistêmicos, interligados e interdependentes. O que significa que a restauração do equilíbrio ambiental passa por mudanças no modo de gerir os recursos naturais, conter a expansão populacional e mudar drasticamente nosso modo de vida, sob o risco de esgotarmos a capacidade da natureza em renovar-se. Nesta visão extremamente simplista se oculta a necessidade de implementar soluções para problemas que vão do combate à pobreza, distribuição de renda, educação e saúde, que levam a outras questões de natureza política, jurídica e econômica. Isso significa que o próprio homem deve abdicar de sua visão antropocêntrica do mundo em que vive e olhar para além de seu próprio umbigo, para não comprometer as gerações futuras.

A mudança de paradigma, preconizada por Capra, implica em alterações profundas na produção e uso do saber. A imagem mental que me ocorre quando penso na teoria sistêmica – e a complexa rede de relações que nos apresenta – é a Internet, onde cada computador se interliga com outro, sem que cada qual tenha um papel predominante nessa teia virtual. A Internet, como funciona atualmente, não tem dono, ignora fronteiras e dribla sistemas políticos autoritários e as tentativas de controle da informação que ela proporciona. Sua existência só é possível pelo paradigma que sustenta a teoria sistêmica. Esse mesmo paradigma que traz no seu bojo a ameaça do desconhecido, ao questionar outros paradigmas sobre os quais ainda se apoiam a produção do conhecimento, seu controle e uso. Ora, o saber dominante significa poder, e mudanças de paradigmas não são bem-vindas pelos que já detém o poder, quando podem significar alterações nas relações de domínio. Entrementes, questões políticas e relações de poder não são os únicos fatores que dificultam a difusão da teoria sistêmica.

Adotar uma visão sistêmica significa abrir mão da pretensa e confortável exatidão proporcionada pelo determinismo mecanicista de Descartes e de Newton. São alterações dramáticas no modo de pensar a existência e o papel do homem. Isso implica, em mudanças radicais em sua relação com o mundo físico e espiritual, revisão de valores morais e éticos e alterações profundas nas relações dos homens entre si e destes com o universo, de modo que a ação humana na natureza se torne mais integrativa do que afirmativa e espoliativa.

De acordo com a visão sistêmica apresentada por Capra, as propriedades das partes são propriedades do todo, cuja propriedade em si, nenhuma das partes possui, posto que ela surge exatamente da interação entre essas partes. Então, as propriedades que são inerentes ao todo deixam de existir se suas partes são isoladas, seja de modo físico ou teórico. Isso significa que, na abordagem sistêmica, a propriedade das partes só pode ser perfeitamente entendida a partir da organização da totalidade, ou seja, de um contexto mais amplo. Assim, a visão sistêmica nos proporciona uma ciência contextual da realidade, em oposição ao pensamento analítico da ciência clássica, que busca isolar as partes do todo, a fim de compreendê-las.

Além do que podemos chamar de pensamento contextual, como descrito acima, há na abordagem sistêmica outro viés de igual importância. Esse outro caminho é o pensamento processual, onde toda estrutura é vista, no dizer de Capra, como processos subjacentes. Essa linha de pensamento confirma a ênfase que se dá à teia de relações e interconexões; como elas se dão e como promovem a interação e tornam-se, então, o objeto do conhecimento.

Outra contribuição importante da visão sistêmica é que tanto as propriedades das partes quanto sua interação entre si e com o todo não são estáticas. Existem níveis de complexidade a considerar; o que ocorre em determinado nível pode não existir em outro, como ocorre com as propriedades dos materiais sólidos no nível subatômico, como demonstra a teoria quântica. No dizer de Capra: “partículas subatômicas não são “coisas”, mas interconexões entre coisas, e estas, por sua vez, são interconexões entre outras coisas, e assim por diante”. De acordo com essas afirmações, a natureza se apresenta como uma teia de relações entre as partes de um todo, e não como blocos isolados. É a compreensão dessa teia de relações que desvenda a propriedade do todo, que é o objeto de conhecimento da visão sistêmica. Contudo, há vários níveis e sistemas, em cada qual, novas e complexas teias de relações, o que faz da abordagem sistêmica uma busca sem fim e, talvez, seja essa a principal dificuldade para torná-la universalmente aceitável. Em tese, a busca do conhecimento científico sobre determinado aspecto da teia de relações não se esgotaria nunca, pois a cada olhar o observador poderia se deparar com novos aspectos a considerar, considerando que a sua natureza é dinâmica e depende ainda do seu ponto de vista, e o que procura.

Os critérios do pensamento sistêmicos são interdependentes e o foco de sua atenção se dirige para a teia de  interconexões, nas quais identifica os padrões como sendo “objetos”, e essa identificação depende da percepção do observador e do processo do conhecimento, como nos diz Capra, que destaca ainda a mudança do pensamento da ciência objetiva para um pensamento epistêmico, onde os métodos de questionamentos tornam-se parte das teorias científicas. Vale dizer que a abordagem sistêmica vai além do utilitarismo da ciência, e considera as consequências da intervenção do homem nos sistemas com os quais interage. Uma perspectiva interessante, considerando a época em que vivemos, onde o homem se esforça tanto para aumentar sua capacidade de destruição, e que grande parte dos avanços científicos tem finalidade militar e comercial.

Para cada inovação tecnológica que a ciência nos coloca, ocorre alterações significativas no modo como nos relacionamos com nossos semelhantes e a natureza. A Internet, as grandes redes de comunicação disponibilizam uma quantidade imensa de informações que, ao mesmo tempo em que se constitui em poderosa ferramenta de pesquisa, transmissão e armazenagem de dados, empobrece o espírito e a diversidade cultural, numa relação quase sempre de dominação e dependência.

No ambiente cibernético, a informação é frequentemente é tomada como pensamento, quando na verdade a Ideia é que é à base do pensamento humano. A mente humana cria com ideias, não com informações. Embora as informações alimentem o processo cognitivo, o conhecimento é baseado em dados abstratos, analíticos, enquanto que a mente humana age num nível contextual; as ideias é que formam o conhecimento e a informação, e não o contrário.

Não obstante, o questionamento do conhecimento baseado no pensamento mecanicista não é o único fator a causar inquietações pela abordagem sistêmica. A ênfase na totalidade, já presente no holismo, envolve riscos, como a se considerar que os fins justificam os meios, o cerne que serve de justificativa para toda sorte de abusos em sistemas de governos totalitários, ou de governos cujos processos “democráticos” não sejam transparentes e participativos. A apropriação de um ferramental teórico, como a abordagem sistêmica, por grupos dominantes é tão nefasta que podem embasar  ideologias espúrias como o nazismo na Alemanha e o fascismo italiano, ou, ainda as ditaduras latino-americanas, num passado recente, que prendeu e matou indiscriminadamente sob o pretexto de defender os “valores pátrios” e a “segurança nacional” da expansão comunista.

Do ponto de vista científico, Capra resgata os questionamentos de Robert Lilienfield, em cujos ensaios críticos, publicados no fim da década de 70, declarava não haver evidências da utilização da abordagem sistêmica na solução de algum problema científico em qualquer campo onde houvesse sido aplicada. No entender do autor, apesar do pensamento sistêmico ter realmente enfrentado uma crise no âmbito da ciência pura, já naquela época, era possível considerar tais críticas excessivamente radicais devido à contribuição do pensamento sistêmico à compreensão dos organismos vivos como sistemas energeticamente abertos e organizacionalmente fechados. É verdade que a teoria sistêmica ainda devia modelos matemáticos aplicáveis às ciências empíricas, o que viria a ser superado somente com o surgimento de uma geração de computadores mais poderosos e o advento de fenômenos não lineares, tais como os laços de realimentação e as redes neurais. Na década de 80, por sua vez, surgiram uma série modelos sistêmicos bem-sucedidos que descrevem vários aspectos do fenômeno da vida. Segundo Capra, a principal contribuição da teoria sistêmica foi criar uma nova maneira de pensar, uma nova linguagem, novas concepções que levaram avanços científicos significativos em anos recentes.

Esse mesmo risco ocorre em subsistemas, como as instituições jurídicas, políticas e econômicas, onde grupos dominantes podem se servir da abordagem sistêmica para legitimar seus interesses. É verdade que esses grupos dominantes se apropriam de qualquer coisa ou conhecimento que lhes permita reproduzir-se e legitimar-se no poder. Contudo, a mesma abordagem sistêmica pode servir de arcabouço teórico para a criação de instituições democráticas e participativas, dada a sua natureza integrativa, na construção de sociedades mais justas, que não considerem apenas o homem, mas também o ecossistema onde o mesmo está inserido.

Por outro lado, a abordagem sistêmica aplicada à organização das instituições públicas e privadas baseia-se na concepção do sistema social como organismos vivos, e incorpora muitas das ideias vindas da biologia, da ciência cognitiva, da psicologia e da ecologia. Segundo Capra, essas concepções, em desenvolvimentos mais recentes, fizeram surgir uma nova disciplina: “a administração sistêmica”, ensinada em escolas europeias. Nesse sentido, os setores de recursos humanos das modernas organizações empresariais costumam adotar a abordagem sistêmica nos programas de treinamento e desenvolvimento de pessoal, particularmente nos cursos de natureza comportamental, como a análise transacional.

Nas instituições públicas como o judiciário, por exemplo – herdeiro da tradição positivista, a abordagem sistêmica teria um vasto campo a explorar, embora não de forma isolada. Afinal, não se pode conceber a atuação do judiciário sem o respaldo de leis emanadas do legislativo, como também sua aplicação no que se refere às prerrogativas institucionais do executivo. Entrementes, a abordagem sistêmica sobre a organização do judiciário, particularmente sobre o sistema de informação, processual e recursos humanos, pode minimizar uma das maiores aflições daqueles que aguardam uma decisão judicial: a lenta, dolorosa e às vezes inútil espera.

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