Ricardo Cestari

Esses dias, nos grupos relacionados à Trilha do Leitor, a dúvida que mais apareceu pra mim foi a seguinte: Como furar a bolha e alcançar leitores diferentes.

É óbvio. É uma dúvida simples, objetiva e clara e diz muito sobre escritores independentes. Isso porque essa é a maior dificuldade de fazer um livro ir pra frente, né? A gente sabe que o que faz um livro ganhar tração é o boca-a-boca. Mas pra que uma pessoa fale dele, você precisa que ela… leia. E que seja alguém diferente do seu círculo de amigos, de escritores, da família. E é aqui que tá o maior problema.

Por quê?

Me perdoa entrar só um pouquinho em exatas aqui, mas é por um bom motivo. Estatisticamente, é improvável que você, como independente, tenha conseguido alcançar pessoas o suficiente para testar a qualidade do seu livro. Isso é especialmente verdadeiro se você fez uma autopublicação física, daquelas que você paga pela impressão do livro, com pouca atenção ao digital. Vamos dizer que você vendeu 10 livros para pessoas desconhecidas, que você nunca viu na vida.

Na melhor das hipóteses, as coisas se desenrolariam assim:
1- Essas 10 pessoas gostam do seu livro. Elas demoraram por volta de um mês pra finalizar.

2- Aí elas indicam pra mais 3! E todas elas gostam depois de mais um mês. São 40 leitores satisfeitos.

3- Se isso acontece por um ano, você atinge uma curva exponencial e alcança quase 2 milhões de leitores.

Imagina o poder disso?

10 pessoas conseguem gerar um movimento assim? A questão é que, no papel, na conta, tudo é simples.

O Neil Degrasse Tyson explica isso em um tweet maravilhoso:

“Na ciência, quando o comportamento humano entra na equação, as coisas tornam-se não lineares. É por isso que a Física é fácil e a Sociologia é difícil.”

Vamos supor que 10 pessoas leiam seu livro. É muito improvável que as 10 achem ele incrível e indiquem. Vamos dizer que 2 acharam incrível. 20% de conversão. E essas 2 indicam pra mais 2 pessoas cada. Se repetirmos os 20% de conversão, o que acontece?

Isso aqui: 

Matematicamente, menos de uma pessoa da lista vai te indicar (0,8%). Na prática, isso significa que nenhuma pessoa vai indicar. E seu livro morre no limbo.

Isso quer dizer que seu livro é ruim? Não!

Quer dizer que 10 leitores (fora dos seus círculos imediatos) é um número muito BAIXO pra te dar uma ideia clara se seu livro funcionou ou não.

Isso porque eu nem comecei a falar do tempo que leva pra se terminar um livro, que varia de pessoa pra pessoa.

Também não estou levando em consideração outro critério social da coisa.

Em geral, a gente não consome entretenimento só porque uma pessoa indicou. A gente precisa de outros estímulos.

Já esteve naquela situação em que você é a única pessoa da sala que não leu um livro ou não viu uma série, e várias pessoas que você respeita já viram? Pois é.

Isso foi só pra exemplificar que as coisas não são tão simples quanto “por que você não lê meu livro?” e sim que existe toda uma dinâmica de mercado que influencia decisões.

Legal, Ricardo, ficou difícil agora kkk. O que é essa dinâmica?
Vamos lá, eu vou entregar algo que você não vai ver em lugar NENHUM no mercado.

Muita gente fica te falando o que você tem que fazer (e tudo bem, mas não é só isso), mas ninguém te conta quais são os ELEMENTOS que influenciam a decisão de um leitor e quando você conhece esses elementos, você consegue melhorar o seu nível de entrega.

Existem elementos que você não controla e elementos que você controla (menos).

Alguns elementos que você não controla

  • Questões Universais Atemporais: o que move a humanidade desde tempos imemoriais e dificilmente vai mudar. Amor, poder, sobrevivência.
  • Questões Universais Contemporâneas: pautas discutidas contemporaneamente na sociedade. A atual dicotomia Esquerda x Direita na política ocidental, por exemplo.
  • Janela de Overton: a gama de políticas e comportamentos aceitáveis pela opinião pública na sociedade. Por exemplo, relacionamentos entre pessoas com grande diferença de idade, mesmo que não se enquadre no código penal, é inaceitável pela atual sociedade ocidental.
  • Notícias: você não controla o factual do mundo. O mundo acontece e você só pode lidar com ele.
  • O investimento em informação, comunicação, entretenimento e arte feito pelas grandes corporações: big techs, grandes editoras, produtoras, gravadoras e empresas ditam, em geral, a tônica do entretenimento, seja numa região, seja globalmente, investindo colossalmente.. Isso é injetado na opinião pública de forma massiva, tomando de assalto a atenção das pessoas – incluindo seu potencial leitor.
  • O tempo do leitor: você não vai controlar como o seu leitor usa o seu tempo. E dado o que falamos do investimento, você está competindo pela atenção dessa pessoa nas redes sociais, no WhatsApp, nos streamings, enfim.

Pesado, né?
Desculpa, mas eu precisava te lembrar que as coisas que você não controla impactam muito a forma como as pessoas consomem.

Vejo muita gente falando que brasileiro não gosta de ler. Pior, vejo muito escritor reclamando que as pessoas não leem seu livro e colocando a culpa no algoritmo.

Quando esses argumentos somente arranham a superfície. O negócio é muito mais profundo.

Nossa, Ricardo. Tá, isso foi apocalíptico. Tem alguma coisa que a gente possa fazer?

Boa. Gostei. Agora vem a parte legal. Apesar do seu controle em tudo isso ser mínimo, AINDA existe algum controle.

  • Elementos que você pode controlar para adaptar sua comunicação e ir para a rua divulgar seu livro.
  • Os números do seu livro: você sabe quantos livros você vendeu? E se sim, você sabe quantos deles criaram leitores? E deles, quantos indicaram pra outra pessoa? Você é um autor independente, as coisas começaram aos poucos. Não são números gigantescos. Você não precisa de ferramentas ou uma planilha complexa. É só tentar entender essa dinâmica. Por exemplo, se de 100 livros que você vendeu, 50 leram, você teve uma taxa de conversão de venda pra leitor de 50%. Você não deve se irritar com essa taxa, mas compreender a quebra e trabalhar melhor na sua escrita ou no tipo de público que chegou até seu livro (amigos muitas vezes vão largar no meio).
  • Como você se adequa aos elementos não controláveis: se você não pode controlar questões contemporâneas, você pode falar sobre elas. Se você não pode controlar as notícias do mundo, você pode inserir o que acontece no que você faz. Se você não controla o tempo do seu leitor, você torna seu livro algo que tome suas prioridades de lazer ou consumo de arte.
  • Seu nível de aprendizado: se você dedica todos os dias um pouquinho à sua carreira, seja na escrita, seja no marketing, você consegue aprender. Aprender a escrever melhor, aprender a se divulgar melhor. Mas não pode ser uma relação passiva. Quando você aprende a cozinhar, você precisa tentar acertar. Isso é: você precisa consultar a receita, perguntar quem já fez, descobrir novos temperos. É provável que você erre, mas na próxima você vai fazer melhor. E melhor. Não adianta jogar o seu livro nas redes sociais e esperar leitores. Você precisa aprender o jogo do marketing.

Legal, Ricardo. Mas como eu furo a bolha mesmo?

Boa, agora que você tem todo esse contexto, vou te dar 4 dicas de como você pode furar a bolha de forma digital.

  1. Definição da Mensagem: Você precisa saber do que vai falar, muito além dos seus livros. Entenda uma coisa: a opção de somente falar dos seus livros já não existe nem pra autores renomados. No último email, falei de como criar a sua tese como autor. A sua tese é o que sustenta a definição da sua mensagem.
  2. Qualidade da Mensagem: ninguém gosta de gastar. As pessoas gostam de consumir. Ninguém está nem aí pra você, especialmente um leitor que não te conhece. Ele quer encontrar histórias como a sua. Então você precisa criar uma mensagem que encontre o leitor da forma como ele espera. O exemplo mais clássico é a referência a livros e outros produtos de mídia do mesmo gênero que o seu, mas é muito mais que isso.
  3. Distribuição da Mensagem: Sua mensagem pode ser incrível, mas você precisa distribuí-la. Uma das formas de fazer isso que eu recomendo é, sim, usar as redes sociais. As redes sociais te permitem testar com muita velocidade a qualidade da mensagem e a definição da mensagem, de forma paga, orgânica ou por parcerias. Aqui é onde você consegue tangibilizar o furo da bolha, embora ele comece lá na definição. Mas não é suficiente.
  4. Repetição de Mensagem: muita gente acha que a repetição enche o saco, mas isso é um fundamento de marketing extremamente importante. Não quer dizer postar o mesmo post todos os dias, e sim mudar a forma como você passa a mensagem todos os dias. É por isso que uma presença digital é importante. Se todos os dias você está falando do seu gênero, as pessoas vão lembrar que você está associado a ele. Quando você chamar atenção pro seu livro, a associação já estará construída.

N.E. Este artigo é composto por notas introdutórias ao curso “Na trilha do Leitor”, do mesmo autor.

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