A intenção de me tornar um escritor surgiu há muito tempo, quando venci um concurso de redação no terceiro ano primário. Hoje não sei como se chama esse período escolar, mas eu tinha nove anos, na época. O prêmio foi um exemplar de 20.000 Léguas Submarinas, de Júlio Verne. Eu já tinha lido, mas foi legal ganhar. Mais que o prêmio, fiquei realmente feliz em perceber o silêncio na sala de aula, enquanto minha redação era lida pela professora. Foi aí que descobri que sabia contar histórias. Ou, pelo menos, pensei que sabia. Contudo, A decisão de me tornar escritor não veio assim, tão de repente. Ela foi se formando aos poucos em minha mente, ao longo dos anos.
Eu cresci em meio à cultura pop dos anos 60 e 70, uma época de muito gibi e filmes no Cine Glória, um cinema que existia no meu bairro, naquele tempo. Depois, virou uma discoteca, nos anos 80 e terminou como igreja evangélica na década seguinte, antes de ser finalmente demolido.
Da leitura de gibis e livros de aventura, eu passei para os clássicos da literatura. Ainda menino, já tinha lido de quase tudo, até enciclopédia e bula de remédio. Nada me escapava. Eu era um nerd em tempo integral, quando o termo ainda nem existia. Pena que isso não impressionava as garotas. Garotas! Naquela época, gibis, filmes, livros e garotas era tudo o que me interessava, mas as meninas não costumavam se interessar pela minha conversa hesitante e eu tomei muito chá de cadeira nas festinhas de garagem. Que eu me lembre, elas estavam cobertas de razão.
Depois de tanta leitura e cinema nas tardes de domingo (e filmes na TV), um dia decidi escrever minhas próprias histórias. Mas apesar daquele início promissor no concurso de redação, eu logo descobri que o buraco era mais embaixo. Não bastava ter uma boa ideia. Saber como contá-la era outra coisa. Para falar a verdade, minhas primeiras tentativas foram patéticas. Felizmente, meu senso estético já era bem desenvolvido e evitou que eu fosse adiante por caminhos errados e situações que poderiam se tornar embaraçosas. Esse apurado senso crítico poderia ter funcionado melhor em outras ocasiões, mas nem sempre foi assim, infelizmente. Estava escrito que eu ainda pagaria alguns micos na vida de escritor, principalmente por ser tão afoito.
Na adolescência consegui encher um caderno com histórias que remetiam mais ao universo dos super-heróis e alguma coisa de horror. Eu era fã de revistas do gênero, como Kripta, Drácula, Mirza – A mulher Vampiro e muitas outras. Depois, surgiram as estórias de aventura e fantasia, que nunca saíram da gaveta. Na fase adulta, escrevi algumas peças de teatro. Eram comédias para adultos e textos voltados para o público infantil. Esses foram montados pelo Grupo de teatro Municipal de Laguna, em SC. Nos anos 90, comecei a colaborar com jornais e escrevia micro-contos e crônicas de costumes. Foi um período interessante. Até consegui alguns fãs dos meus escritos, para minha surpresa.
A constatação de que alguém lia realmente o que eu escrevia deu um novo impulso à determinação de levar adiante o sonho juvenil de ser escritor. Tirei um velho projeto da gaveta e me dispus terminá-lo. Era um romance de aventura e fantasia, que emulava os principais clichês do gênero. Tinha alguns trechos bem escritos, mas no geral era uma droga. Depois de algumas tentativas, eu já não sabia o que fazer. Abandonei novamente aquele manuscrito dos infernos, disposto a esquecê-lo totalmente. Digo manuscrito, porque grande parte ainda estava em cadernos, escritos à mão. Eu já tinha uma máquina de escrever, mas desisti ao começar a datilografá-lo. Então voltei novamente minha atenção aos contos e crônicas.
Passaram-se alguns anos, a velha Lettera da Olivetti foi trocada por um microcomputador e tudo ficou mais fácil com os editores de texto. Com o advento da internet, as possibilidades de autopublicação se multiplicaram. Os blogs ficaram populares e eu não perdi tempo. Fiz o meu e publiquei quase tudo que tinha na gaveta. Não por acaso, o blog se chamou A Gaveta Mágica. Anos depois, achando o nome muito infantil, eu mudei para Beco das Letras, mas a URL permaneceu a mesma. Um dia, analisando as estatísticas de acesso do blog, percebi que tinha leitores em outros países também. Com isso, constatei um fato curioso: as histórias que faziam mais sucesso eram as que tinham vampiros como protagonistas. Não, não era esse o fato curioso. Ocorre que a maioria dos leitores estrangeiros que eu tinha, eram oriundos da Romênia, mais especificamente da… Transilvânia, a terra dos vampiros!
Depois da decisão de me tornar um escritor, se passaram cinquenta anos e eu não tinha publicado o primeiro livro. A percepção disso me provocou uma crise depressiva de tamanho descomunal, para o meu pobre ego. Então, para não me considerar um fracasso completo nesse aspecto, desencavei o antigo projeto, decidido a ter um livro para chamar de meu. Zaphir – A Guerra dos Magos ia sair da gaveta.
Dessa vez, o projeto andou, embora de forma muito lenta. Eu não vivia de literatura, o que significava ter outro emprego para pagar as contas. Após terminado, o livro foi escrito e reescrito muitas vezes. Enquanto isso, vários anos se passaram. Finalmente, em agosto de 2013, ele ficou pronto. Contudo, ao simular a diagramação do livro no Word, ele ficou com 930 páginas. Ia ficar caro demais para imprimir e caro demais para os leitores. Reescrevi o livro e reduzi o total de páginas para 330, algo bem mais razoável. A redução me fez perceber que eu estava muito prolixo, com a preocupação finalizar uma boa história. Era a minha primeira experiência com um romance longo e perdi um pouco a noção das coisas. A redução do número de páginas serviu também para revisar o texto. Acabei com os erros mais comuns de digitação e repetição de palavras, ortografia e sintaxe. Não vão acreditar na quantidade de frases sem sentido ou mal escritas que corrigi. Cometi erros que há muito não cometia. A explicação para isso pode ser que o pensamento sempre está um pouco mais adiante da digitação, que funciona mais ou menos no piloto automático.
Uma Jornada havia se completado e outra se iniciava: a via-sacra para publicar o livro. Logo após considerar a revisão terminada (meu primeiro erro na fase de preparação), iniciei a busca pela melhor forma de publicar, enquanto meu filho cuidava da capa e diagramação. Ele é publicitário e artista gráfico e isso facilitou bastante as coisas para mim.
Após contato com as famosas “editoras” que ofereciam serviços de publicação mediante pagamento, recebi uma enxurrada de orçamentos que estavam muito longe do que eu podia gastar. Então resolvi fazer orçamentos direto com gráficas. Depois de muito procurar, encontrei uma empresa no interior de São Paulo, que apresentou uma proposta razoável. Outra vantagem era que a gráfica produzia a ficha catalográfica e providenciava o registro no ISBN. O problema era que o valor só se tornava razoável para uma quantidade grande de livros impressos. O que também fugia de minhas possibilidades. Foi aí que um amigo de adolescência me socorreu e financiou a publicação. Com aquela preciosa ajuda e, acreditando meu livro seria um sucesso, mandei imprimir mil exemplares, para manter o preço final baixo. Isso desencadeou uma série de outros erros.
Ao revisar a prova digital da gráfica, percebi que ainda havia erros nos meus originais, que ainda não tinham sido corrigidos. Um dos quais era simplesmente grosseiro. Por consequência disso, passei dois dias revisando o livro uma vez mais e mandei o original corrigido para a gráfica. Malgrado todo esse trabalho extra, alguma coisa aconteceu e o arquivo com erros é que foi impresso. O resultado disso é que recebi mil exemplares de um livro que tinha alguns erros que não deveria ter, apesar da obra ter ficado graficamente bonita, com uma capa linda e que atraía o olhar das pessoas na primeira vista.
Fiquei um longo tempo deprimido, pensando no prejuízo e no fracasso que se desenhava. Felizmente, eu mandei um dos exemplares para a escritora Lívia Stocco, com quem eu conversava sobre literatura, desde o tempo do Orkut. Pesaroso, relatei meu infortúnio e a disposição de mandar destruir os livros.
Naquela semana, participei de uma feira de livro, onde eu já havia me comprometido a fazer o lançamento do Zaphir e achei por bem não cancelar. Entretanto, esperava que ninguém comprasse o livro, para não passar vergonha depois. Ocorre que as pessoas compraram o livro, afinal. Vendi algo em torno de cem exemplares em dois dias de feira. Àquela altura, acreditei que ia para o inferno, mas diabo não apareceu. Para minha surpresa, os comentários que eu ouvia eram todos positivos. Então perdi a vergonha e continuei vendendo, disposto a cobrir o prejuízo, pelo menos.
Alguns dias depois, Lívia Stocco me respondeu. Tinha adorado o livro e, segundo ela, os erros não eram tão graves assim. Embora eu não conhecesse Lívia pessoalmente, não conheço até hoje, ela é uma amiga querida. Sua opinião tirou-me um peso do coração. Depois disso, cai na estrada vendendo livros em qualquer lugar que pudesse expor. Lembram da quantidade de livros impressos? Já se passaram muitos anos e eu ainda tenho parte deles, mas consegui recuperar o capital investido e mais uma lição aprendida: a quantidade ideal de livros para ser impressa gira em torno de cem exemplares. Melhor fazer reimpressão, se for necessário, do que ter um capital muito grande empatado ou uma dívida enorme para pagar.
Talvez por desencargo de consciência, eu reescrevi Zaphir e publiquei uma segunda edição agora, em 2024, com um projeto editorial mais caprichado e nova capa.
Obviamente, eu não disse tudo aqui. Há detalhes que não lembro ou não me ocorreram na hora de escrever o texto, de modo que esse artigo tem uma segunda parte. Vou falar do segundo livro, as melhores estratégias para divulgação em redes sociais e os canais de venda, inclusive de e-books. Até lá.
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