Como se sabe, essas criaturas imaginárias não são fáceis de localizar. É necessário um esforço de abstração que só encontramos em nossa mais tenra idade e, com o passar dos anos, perdemos muito dessa capacidade.
Para minha surpresa, após caminhos tortuosos e, também, inúmeras tentativas no Google, minha entrevistada foi encontrada bem perto de onde moro, aqui em Floripa. Pensando bem, isso nada tem de surpreendente. Florianópolis se tornou, ao longo dos anos, um sonho de consumo para aposentados e profissionais de todas as áreas em fim de carreira. Tanto, que a ilha se tornou uma pequena babel de idiomas e sotaques, com predominância de gaúchos e argentinos. Algum preconceito? Não, não. São todos bem-vindos. Bueno, isso era para ser uma breve introdução, mas Floripa sempre desperta o lado passional de seus nativos, e espero que o leitor me perdoe por fugir momentaneamente do assunto principal. Vamos a ele, pois. Nosso encontro foi marcado no bar do Arante, no Pântano do Sul. Embora eu tenha chegado com a antecipação cortês que se espera de um cavalheiro, Branca de Neve já estava lá, e alegremente entretida numa roda de samba. Apesar de não nos conhecermos pessoalmente, ela veio ao meu encontro assim que me avistou. Devo dizer que esperava encontrar uma matrona toda empertigada, como costumo ser, eu, as velhas senhoras europeias em terras tupiniquins. Mas o que eu via se aproximar era uma bela mulher. Madura, é certo, mas ainda dona de uma elegância que vai muito além do vestidinho florido que ela usava, e que se expressava também no seu jeito de andar. Seu olhar era firme, mas gentil. Ao vê-la vindo em minha direção, ocorreu-me um desejo fugaz de não encontrar o tal Príncipe por perto. Para minha alegria inconfessada, ele não estava mesmo. Logo nos apresentamos e ela me conduziu à sua mesa que, felizmente, estava um pouco afastada da roda de samba. Mal nos sentamos, deixei meu bloco de anotações e o gravador de prontidão. Ela sorriu de minha ansiedade, mas nada disse. Pacientemente esperou que eu me aprontasse para entrevistá-la. Então caprichei e mandei bala, já na primeira pergunta.
– Como ficou sua vida depois daquele final feliz? Ela deu uma gargalhada, como se tivesse ouvido uma boa piada, mas desconfiei que minha pergunta fosse absurda e me preparei para resolver a situação.
– Quero dizer… – Não, não. – Ela interrompeu com um gesto. – É uma pergunta ótima. Nunca ninguém me perguntou isso e devo dizer que a única resposta possível é que… Era uma bosta!
Por um momento fiquei chocado com aquela expressão chula na boca de um ícone dos contos de fadas, mas não podia deixar passar aquela oportunidade.
– Então, aquela história de felizes para sempre era…
– Conversa para boi dormir, querido. Tudo marketing. Logo descobri que o meu príncipe não era lá essas coisas como amante e estava mais interessado na minha madrasta.
– Mas ela não morreu?
– Nada! Aquilo era só parte do roteiro. Um recurso dramático, digamos assim. Nos bastidores, eles deitavam e rolavam, literalmente. O fato é que o tempo que passei com os sete anões foi bem mais interessante, se é que me entendo…
Entender eu entendia, mas preferia levar aquela entrevista para um lado menos polêmico, pois isso iria restringir o público que teria acesso à matéria na íntegra. Assim, introduzi logo a pergunta a seguinte.
– Como era sua vida depois do casamento?
– Menino, era um tédio interminável. No começo era tudo de bom. Recepções, festas, caçadas. Depois, o príncipe começou a mostrar seu lado sovina e demitiu a criadagem. Imagina euzinha cozinhando, lavando e passando. Logo ele passou a implicar também com as despesas do meu analista e do cabeleireiro. Qualquer tostão gasto virava uma discussão sem fim. Um tédio! Pior que isso, só a minha vida de solteira.
– Não gostava da sua vida de solteira?
– Imagina!… Com uma madrasta enchendo o meu saco e vigiando todos os meus passos? Isso sem falar no ciúme que ela tinha do caçador comigo e, ainda, aqueles seus planos mirabolantes para dar cabo da minha vida. A maçã envenenada foi o fim da picada, hein? Que falta de imaginação!
– Quer dizer que a vida de princesa não era também nenhuma maravilha? Definitivamente, não era mesmo! Todo dia era aquela rotina de passeios no bosque com aqueles animaizinhos engraçadinhos, cantar com passarinhos… Enfim, era tudo um saco. Nessa altura da entrevista, ela terminou sua caipirinha e chamou o garçom. Pediu mais uma e, é claro, acompanhei e pedi uma também. Não é de bom-tom deixar uma dama beber sozinha. Até então, eu ainda não tinha me dado conta de que seriam muitas caipirinhas, até a noite terminar. Depois que o garçom trouxe nossas bebidas, ela tomou um grande trago e continuou suas reminiscências espontaneamente.
– Na verdade, minha vida até o divórcio foi aquilo que parecia. Um conto de fadas bonitinho e sem graça.
– Então, como ficou depois do divórcio?
– Menino! – Ela exclamou, arregalando os olhos para melhor expressar o que sentia. – Uma maravilha! Peguei os sete anões e fugi para o Oriente Médio. Acabei como dançarina no harém de um príncipe árabe. Aquilo, sim, era vida! Pelo menos no começo.
– O que aconteceu? – O sujeito implicou com meu nome e começou a me chamar de Sherazade. Depois não queria mais saber de dança do véu e só queria ouvir histórias. Isso tudo era um saco, se você quer saber. Depois cismou que os sete anões deveriam ser transformados em eunucos. Aí eu subi nas tamancas, fiquei em posição de açucareiro e chutei o pau da barraca. Feito isso, fui parar em Las Vegas, no show de um cassino. O show de Branca de Neve e os Sete Anões fez um bocado de sucesso, até que a Disney me obrigou a sair de cartaz.
– Por que motivo? – Alguma coisa a ver com uso indevido da imagem, algo assim. Mas tudo bem, eu já havia feito meu pé de meia.
– E agora? O que pretende para o futuro?
– Nada de mais. Vou ficar nesta ilha até que ela resolva se desgarrar do continente e sair mar adentro. – Disse ela, repetindo uma velha piada dos nativos de Floripa. Nas duas horas seguintes foram várias caipirinhas e algumas tentativas de dançar entre as mesas do bar. naquela altura, a entrevista já havia sido esquecida e a noite prometia, até que o celular dela tocou.
– Hum!?… Tá bom. Já tô terminando (…). Já disse que estou indo. Não enche!
– Algum problema?
– Não. É só o Zangado, que tá ficando impaciente. Mais uma? – Ela perguntou, com o copo levantado.
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