
Mês: junho 2023

O sexagésimo terceiro dia da quarentena já havia passado. Ou seria o sexagésimo quarto? Não sei mais. Depois de algumas semanas nesse recolhimento solitário, as noites e os dias se misturaram. Meu ciclo circadiano estava todo bagunçado, perdido nos dias que viraram noites, até que o amanhecer não veio mais. Além do meu pequeno mundo, as trevas eram tudo o que havia. Lá fora, apenas o nada me espreitava da escuridão. Ninguém estava na rua, além de alguns vultos ocasionais, que se diluíam nas sombras, seguidos pelo ladrar furtivo de algum cão perdido.
Como se sabe, essas criaturas imaginárias não são fáceis de localizar. É necessário um esforço de abstração que só encontramos em nossa mais tenra idade e, com o passar dos anos, perdemos muito dessa capacidade.
O que fazer quando uma alma penada brinca com suas memórias afetivas?

Chovia incessantemente e o trânsito estava infernal, não que em dias ensolarados fosse muito melhor, mas sempre tive a impressão que todos os barbeiros da cidade tiravam o carro da garagem nos dias de chuva. Com aquela fila para passar a ponte, era de se prever que eu chegaria atrasado para acompanhar o cortejo.