Houve um tempo, na encantada ilha de Meiembipe, em que vivia um homem insolitamente criativo chamado Jylmmar. Ele gostava muito de inventar histórias e depois contá-las para os seus amigos.
Nas noites de verão, eles se reuniam à beira da praia, próximo a rochedos, onde a conversa se desenvolvia com o aconchego da brisa gostosa. Eram histórias engraçadas que traziam alegria aos corações dos moços e moças. Contudo, nas noites de inverno, quando se reuniam ao redor de uma bela fogueira em reentrâncias de rochas nos bosques, as histórias adquiriam um tom lúgubre, assustador e até mesmo aterrorizante ao extremo. Não era raro as moças se retirarem apavoradas antes mesmo do final da narrativa.
Jylmmar era muito admirado por todos devido a sua capacidade de hipnotizar as pessoas com seu jeito de contar as fascinantes histórias. Muitas moças da aldeia o disputavam, chegando em algumas ocasiões a recorrerem a brigas ferozes pelo direito de cortejá-lo. Somente uma das moças na aldeia não se deixava impressionar, não era sempre que ela participava das contações de Jylmmar. Era a mais bela das moças da aldeia. Seu nome, Ãnistér, significava a poderosa.
O comportamento desdenhoso de Ãnistér acabou por atrair a atenção de Jylmmar para ela. Esperançoso e seguro de si, numa noite de esplêndido luar, ele a convidou para participar do encontro com os amigos. Derretendo-se em dengos, prometeu-lhe contar uma linda história especialmente para ela. Ela fez-se de desinteressada e concordou em ir caso não tivesse mais nada para fazer de melhor.
O orgulho de Jylmmar ficou para lá de ferido. Nas profundezas de seu coração enregelado, prometeu vingança cruel contra Ãnistér. No entanto, ela nem sequer compareceu à reunião do grupo. Esse terrível fato enfureceu o rejeitado Jylmmar ainda mais. Murmurava uma promessa enraivecida dizendo para si próprio com ranger de dentes: “Essa presunçosa da Ãnistér não perde por esperar!”
E o verão foi-se embora trazendo para a aldeia as noites frias que levavam todos a buscarem abrigo nas rochas das matas. As histórias de Jylmmar tornavam-se então cada vez mais sinistras. Até que numa noite muito fria, Ãnistér apareceu com uma amiga para esquentar-se com o benevolente calorzinho da fogueira. Ao vê-la, Jylmmar sentiu seu sangue ferver nas veias. A hora havia chegado. Ele criara uma história da qual Ãnistér jamais se esqueceria e finalmente ele teria a chance de contá-la na frente de todos os seus amigos, tornando sua vingança pública, deixando seu alvo em estado vulnerabilíssimo…
– Essa história, embora fantasiosa, revela segredos muito bem guardados da nossa tímida amiga Ãnistér… a quem dedico o meu conto dessa noite! – Jylmmar fixou seu olhar viperino na moça sentada a sua frente com aparente tranquilidade.
O inigualável talento dramático de Jylmmar emprestou ao conto tons de veracidade de maneira tão ameaçadora, que todos ali presentes postaram seus olhos na figura pálida de Ãnistér. A moça parecia nem respirar diante do que fora dito a seu respeito. O silêncio imperava e nada parecia quebrá-lo, estupefação generalizada, até que Ãnistér levantou-se e soltou um berro tenebroso.
– Sim, sou mesmo uma bruxa! Tenham todos cuidado comigo!!!! – Ãnistér, dando então uma gargalhada de arrepiar a espinha de qualquer vivente, disse. – Mexeste num vespeiro, Jylmmar…
Ãnistér desapareceu por entre a mata, deixando os ouvintes estarrecidos e, naturalmente, amedrontados. Após o impacto inicial do desfecho de sua maquinação vingativa, Jylmmar tentou acalmar os amigos propondo contar-lhes uma história engraçada. Ninguém, entretanto, lhe deu ouvidos e foram se retirando cabisbaixos. Jylmmar permaneceu sozinho junto à fogueira. Um arrepio gelado e agourento percorreu todo o seu corpo.
Temeroso com a reação de Ãnistér, Jylmmar passou a vigiá-la. Sabia haver exagerado em sua história, mas jamais teria imaginado a confissão da moça. Seria ela realmente uma bruxa? Não poderia facilitar. Pediu inclusive ajuda a seus amigos mais chegados, que ficassem eles também de olhos abertos!
Tudo parecia serenidade pura, Ãnistér portava-se como se nada houvesse acontecido. Os dias passavam sem maiores demandas e o inverno virou primavera e essa cedeu espaço ao verão. Jylmmar até pensou que a atitude feroz da moça naquela noite fatídica não passara de uma tentativa de autoproteção ingênua. Porém, um dia seu amigo Hantonyu chegou até ele esbaforido, olhos arregalados…
– Jylmmar! Escutei escondido uma conversa da Ãnistér com ela mesma! Ela tem uma planta enfeitiçada. Ela fez umas mandingas para que quem comesse seus frutinhos vermelhos se tornasse invencível em combates!
– Hummm, que estranho, Hantonyu…
– Será que ela está planejando se vingar de ti?
– Claro, por isso ela se conservava tão discreta… precisava de tempo para que a planta crescesse. Que víbora dissimulada! Pensa que é mais esperta do que eu. Hantonyu, tenho que agir sem perda de tempo, me leva onde está essa planta!!!
Os dois se esgueiraram até a moradia da Ãnistér. A moça cuidava com zelo da plantinha, seus lindos frutos vermelhos brilhavam ao sol. Eles esperaram pacientemente até que ela se retirasse dali. Quando perceberam estarem a sós, aproximaram-se da planta. Jylmmar considerou por instantes o que deveria fazer. Seus olhos brilharam com a ideia medonha que cruzou por sua mente criativa.
– Hantonyu, já sei o que farei! Comerei alguns frutos, tornando-me assim invencível antes dela! E destruirei a planta para que ela não possa mais obter também esses poderes. Ela ficará impotente diante da minha força!
– Tens certeza, Jylmmar? Não será perigoso atiçar ainda mais a fúria dela?
– Ela não terá mais como me prejudicar uma vez que serei imbatível, não foi o que escutaste? – E Jylmmar arrancou alguns frutos para si e destruiu totalmente a linda planta desde a raiz no solo.
Uma vez sozinho em seu canto, Jylmmar mirou os frutos por alguns minutos sorrindo internamente de sua astúcia. Antevia a total impotência de Ãnistér diante de seu poderio. Aquela bruxa tansa teria que engolir seu próprio veneno! Resolveu comer os três frutos que havia colhido. Colocou-os em sua boca e os comeu com determinação.
Em questão de alguns segundos sua boca inteira ardia como fogo. Sentiu sua língua inchar sem parar. Pensou ser um efeito passageiro do feitiço… No entanto, a sensação de ardência só aumentava, sua língua intumescida dificultava sua fala e continuamente espalhava por sua boca aquela queimação insuportável…
Jylmmar não conseguia imaginar o que fazer para livrar-se daquele tormento, quando do nada, Ãnistér apareceu em sua frente, gargalhando. Ela aproximou-se dele com volúpia no olhar. Dançava como só uma bruxa sabe dançar. Com uma voz cavernosa começou a revelar lentamente a sua magia hedionda.
– És um parvo orgulhoso e prepotente, Jylmmar! Acreditaste que eu seria tola a ponto de deixar minha verdadeira intenção ser escutada por algum dos teus espiões…
E seguia dançando sensualmente diante dele que padecia com sua boca inflamada.
– Caíste direitinho na minha armadilha, seu miserável! Comeste os frutos enfeitiçados que te deixarão para sempre com a língua em formato de pimenta, queimando eternamente a tua boca… para que te cales e nunca mais… nunca mais contes as tuas tão celebradas histórias!!!! – Por fim, Ãnistér soltou um berro macabro e sumiu-se dali. Nunca, ninguém jamais viu novamente a poderosa.
Sobre a autora:
Ana Esther Balbão Pithan nasceu em Erechim/RS e mora em Florianópolis/SC desde 1991. Tem Graduação em Letras/Inglês (UFRGS, 1987) e Mestrado em Língua e Literaturas de Língua Inglesa (UFSC, 1993). Cursou Inglês na Inglaterra (1989) e International Business na Austrália (1999). Foi Professora na UPF (Passo Fundo/RS), na UNERJ (Jaraguá do Sul/SC) e na UNIVILLE (Joinville/SC). Cursou Professional Children’s Writing Course (Austrália 2007, à distância), Ilustração (SENAC, 2009), Formação em Inteligência Espiritual (2021). Atualmente tem 10 livros publicados, 3 e-books e participação em antologias. Criadora dos personagens O Pelicano, a Profa. Coruja-Buraqueira, Anamasthêr e a Meditação do Chimarrão entre outros. Blog: http://pelicanaesther.blogspot.com
Ana Esther Balão Pithan
Meu querido afilhado Gilmar [Jylmmar???]… minha alegria é imensa que tu tenhas gostado desse conto que escrevi para te homenagear por ocasião da tua posse na ANCLA. Gratidão com o meu coração vibrante!!!
Gilmar Milezzi
Obrigado, Ana. Sinto-me honrado em publicar teu conto aqui. Abraços.
Roseli Schutel
Mas que caso sério, rapariga! Sempre me divirto quando leio teus contos e esse não foge a regra. E reconhecer os nomes das personagens foi demais!
ANDREA RIHL GOMES
Amei o conto , parabéns, muito envolvente e de uma fluidez poética e encantadora! Sucesso!
Suraya Helayel
Ana Esther é “uma bruxinha ” do bem!!
Essa história é sagaz e lembra contos de fadas antigos!! Gostei muito do desenrolar da história e dos nomes que ela escolheu e da forma original que ela usou as letras. Parabéns grande escritora!!!
JANICE
Ana Esther é maravilhosa como pessoa e como escritora! Lindo conto! Parabéns, querida!
Teresa Bradil
Amei seu conto Ana Esther!
Parabéns.
Continue nos presenteando com seu talento.